A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença neuromuscular, de origem genética, que afeta os neurônios motores da medula espinhal e do tronco cerebral. A morte dos neurônios motores provoca fraqueza e atrofia muscular e pode comprometer a respiração, locomoção e a alimentação, entre outras funções básicas do organismo (Figura 1).

Figura 1: neurônio motor inferior e relação com o músculo.

Na AME acontece a diminuição da quantidade da proteína SMN, que é fundamental para a manutenção dos neurônios motores. A SMN é produzida pelo gene SMN1 e, por isso, o diagnóstico de AME pode ser feito por exames que conseguem identificar alterações no gene SMN1

A AME é uma doença rara, com incidência de 1 caso para cada 6 a 11 mil nascidos vivos.

Qual a causa da Atrofia Muscular Espinhal?

O gene SMN1 está localizado no braço longo (q) do cromossomo 5, por isso a doença é chamada também de AME 5q. A maioria dos indivíduos com AME (95-98%) são portadores de deleção do éxon 7 nas duas cópias do gene SMN1 (cópia materna e paterna), embora outros tipos de alterações também estejam relacionadas à doença. 

Quando o indivíduo tem apenas uma cópia do gene SMN1 alterada, considera-se que ele é portador (do inglês, “carrier”) da mutação. Portadores não desenvolvem sintomas da doença, porém podem passar a cópia alterada do gene para seus filhos. 

É estimado que 1 em cada 40-50 indivíduos sejam portadores de uma cópia do SMN1 alterada.

Qual a relação entre o SMN1, SMN2 e os sintomas da doença?

Além do gene SMN1, o gene SMN2 também tem papel importante na atrofia muscular espinhal.

Esses genes produzem uma proteína chamada de neurônio motor de sobrevivência (SMN, do inglês: survival motor neuron), que faz parte de um grupo de proteínas, o complexo SMN. A maior parte da SMN é produzida pelo gene SMN1; já SMN2 produz apenas uma pequena quantidade da proteína SMN funcional.

Em indivíduos com AME, as variantes presentes no gene SMN1 prejudicam a produção da SMN. 

A falta dessa proteína leva à morte de neurônios motores e, como resultado, os sinais não são transmitidos para os músculos, que enfraquecem e atrofiam, resultando nos sintomas da doença (Figura 2).

Figura 2. Ilustração representando a diferença entre o músculo de pessoas sem AME 5q e em pessoas com AME 5q. A falta de conexão do neurônio motor com o músculo causa fraqueza e atrofia progressiva.

Em pessoas com AME 5q a proteína SMN produzida pelo gene SMN2 ajuda a compensar parcialmente a deficiência causada pelas cópias alteradas do SMN1.

A maior parte dos nossos genes possuem apenas duas cópias (alelos), herdadas dos pais. O SMN2 é uma exceção, pois pode apresentar de 0 a 8 cópias. A presença de três ou mais cópias do SMN2 está geralmente associada a quadros menos graves de AME. Vale destacar que essa relação não é totalmente bem estabelecida e o SMN2 não deve ser usado sozinho para prognóstico da doença (Figura 3).
Figura 3: Ilustração representando os genes relacionados e as proteínas em pessoas com e sem AME 5q.

Como a Atrofia Muscular Espinhal é herdada?

A AME 5q tem padrão de herança autossômica recessiva, ou seja, para desenvolver a doença é necessário ter as duas cópias do gene SMN1 alteradas. Os pais portadores não possuem sintomas da doença, mas podem passar a alteração genética para os filhos, sendo um risco de 25% de ter um filho ou uma filha com a doença (Figura 4).

Figura 4. Padrão de herança da AME 5q. Na maioria dos casos de AME 5q (95-98%) as alterações são herdadas do pai e da mãe, conforme ilustrado. Os pais portadores não possuem sintomas da doença, mas transmitiram a alteração genética para o filho com AME 5q.

Em casos mais raros (~2%), o indivíduo pode herdar uma cópia alterada do SMN1 de um dos pais e ter uma alteração nova na outra cópia do gene (chamada de mutação de novo). Nesses casos, como apenas um dos pais é portador, o risco de outro indivíduo nascer na família com AME 5q é baixo.

Quais os tipos de AME e os sintomas?

A AME 5q é subdividida nos tipos 0, 1, 2, 3 e 4 que se diferenciam pela gravidade dos sintomas e a idade em que se iniciam. Existe outra classificação, que subdivide o tipo 1 em a, b e c, e o tipo 3 em a e b, com base em diferenças na sintomatologia.

É importante ressaltar que essas classificações são baseadas na história natural da doença e em dados da literatura científica. A melhora na qualidade do tratamento e o desenvolvimento de novas medicações têm impactado consideravelmente no curso natural da doença.

  • Tipo 0 (ou 1a): é a forma mais grave e rara da doença. Tem início no período pré-natal e geralmente os bebês não sobrevivem além dos seis meses de vida. Os bebês apresentam uma grave insuficiência respiratória e precisam de suporte ventilatório logo após o nascimento, além das dificuldades de se movimentar e de alimentação devido à incapacidade de sucção. 
  • Tipo 1 (ou 1b e c): é a forma mais frequente (60% dos casos) e a segunda mais grave. Os sinais e sintomas têm início no nascimento ou até os seis meses de vida. A criança tem dificuldade de realizar funções básicas como respirar, engolir e alimentar-se. A movimentação também é muito limitada e os bebês podem não atingir a habilidade de sentar. A progressão da doença é rápida e, caso não haja tratamento, a maioria das crianças não atingem os dois anos de idade.
  • Tipo 2: nessa forma, os sinais aparecem entre os seis e 18 meses de idade e a expectativa de vida varia do início da infância até a idade adulta. A criança não anda de forma independente, mas consegue se sentar com auxílio, embora essa capacidade possa ser perdida ao longo da vida. Possuem dificuldade de respirar, principalmente durante a noite.
  • Tipo 3 (ou 3a e b): nessa forma, que corresponde a 13% dos casos de AME, os sinais aparecem após os 18 meses. A criança consegue andar e ficar em pé, porém em algum momento da vida pode precisar do uso de cadeiras de rodas. Alguns casos mais graves podem ter dificuldade de se alimentar e de respirar. A expectativa de vida é próxima do normal.
  • Tipo 4: forma mais branda da doença e uma das mais raras (<5% dos casos). A fraqueza muscular aparece na segunda ou terceira década de vida. Pessoas com o tipo 4 não apresentam dificuldades respiratórias ou de alimentação. A expectativa de vida é normal. 

Como é feito o diagnóstico da AME?

A AME 5q é uma doença grave e progressiva, que geralmente se manifesta na infância. Nesse contexto, o diagnóstico precoce e início do tratamento o mais cedo possível são essenciais para uma melhor qualidade de vida da criança.

O diagnóstico da AME 5q é realizado com base em informações clínicas e pode ser confirmado com exame genético que avalia o gene SMN1

 

Figura 5. Diagnóstico genético de pacientes com suspeita clínica de AME 5q.

A deleção do éxon 7 que causa a maior parte dos casos de AME 5q pode ser identificada pela técnica de MLPA (do inglês, multiplex ligation-dependent probe amplification) do gene SMN1

A ausência dessa deleção não exclui o diagnóstico porque outras alterações na sequência do gene também precisam ser investigadas. Para isso, deve ser realizado um exame de sequenciamento do gene SMN1 ou um painel que inclua o gene.

Como o número de cópias do gene SMN2 pode modificar a gravidade da AME 5q também é recomendado que o gene seja incluído nas análises genéticas da doença. 

A realização do exame genético também é altamente indicada para pessoas que tenham histórico familiar da doença.

A Mendelics oferece exames genéticos para o diagnóstico da AME, incluindo o MLPA dos genes SMN1 e SMN2, o Painel de Doenças Tratáveis e o Exame de Sequenciamento do gene SMN1.

Como é feito o tratamento da AME?

Os avanços no tratamento têm garantido uma grande melhora na expectativa e qualidade de vida dos indivíduos com AME.

O tratamento da AME pode variar dependendo do seu subtipo e da gravidade dos sintomas, e envolve diferentes aspectos de cuidado (nutricionais, respiratórios e ortopédicos) e uma equipe multidisciplinar, incluindo nutricionistas, enfermeiros, fonoaudiólogos e fisioterapeutas. 

Nos últimos anos também foram desenvolvidos medicamentos que alteram o curso natural da doença, como, por exemplo, o Nusinersen (nome comercial: Spinraza), que ajuda o organismo a produzir mais proteínas SMN a partir do SMN2, e o Onasemnogene abeparvovec (nome comercial: Zolgensma), que funciona com um vetor viral que contém uma cópia do gene SMN1, aumentando a produção da proteína SMN. 

Entre 2019 e 2022, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou à sua lista de medicamentos o Nusinersen, o Onasemnogene abeparvovec e o Risdiplam (nome comercial: Evrysdi) para o tratamento da AME. Cabe reforçar que apenas um médico pode indicar o melhor tratamento para cada paciente.

Saiba mais sobre como a genética pode ajudar no tratamento de doenças raras neste post. 

AME na Triagem Neonatal

Devido ao sucesso de tratamentos que alteram o curso da doença, desde 2018 a AME 5q foi incluída na lista de doenças que podem ser triadas em recém-nascidos nos Estados Unidos. 

Foi estimado que a triagem neonatal nos Estados Unidos identificaria 364 bebês afetados pela doença por ano. Nesse mesmo período, a identificação precoce da doença poderia prevenir a morte de 30 bebês por AME 5q tipo 1 e 50 bebês seriam poupados da ventilação mecânica.

No Brasil, a AME 5q ainda não é triada pelo Teste do Pezinho do SUS (que foi ampliado em 2021 e que, no futuro, contemplará a doença). No entanto, a doença é uma das mais de 340 condições avaliadas no Teste da Bochechinha, o teste de triagem neonatal genética desenvolvido pela Mendelics que complementa o Teste do Pezinho. 

O Teste da Bochechinha é um teste de triagem e deve ser feito em bebês assintomáticos.

Conheça  os avanços no estudo, diagnóstico e tratamento da AME nos 130 anos após sua descoberta neste post.

Quer saber mais sobre a AME 5q e sobre os exames importantes para o seu diagnóstico? Deixe sua pergunta nos comentários abaixo ou entre em contato com a nossa equipe pelo telefone (11) 5096-6001 ou através do nosso site.

Revisão

O que é atrofia muscular espinhal?

 

A atrofia muscular espinhal (AME) 5q é uma doença neuromuscular, de origem genética, que afeta os neurônios motores da medula espinhal e do tronco cerebral. A morte dos neurônios motores provoca fraqueza e atrofia muscular e pode afetar funções básicas do organismo.

Qual a causa da atrofia muscular espinhal?

Alterações no gene SMN1 causam a atrofia muscular espinhal. O gene SMN1 produz a proteína SMN, importante para a manutenção dos neurônios motores.

Existe tratamento para atrofia muscular espinhal?

O tratamento da AME pode variar dependendo do seu tipo e da gravidade dos sintomas e pode envolver uma equipe multidisciplinar. Recentemente novos medicamentos foram incorporados ao SUS para o tratamento dos tipos 1 e 2 da doença.

Como pode ser feita a identificação da atrofia muscular espinhal?

Bebês assintomáticos podem fazer o Teste da Bochechinha, que avalia o gene SMN1, e indivíduos sintomáticos, de qualquer idade, podem fazer os testes genéticos de diagnóstico oferecidos pela Mendelics, como o Sequenciamento do gene SMN1 e o MLPA para o SMN1 e SMN2.


Referências

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