Mecanismo genético para a gravidade da COVID-19

COVID-19: Por que algumas pessoas possuem sintomas leves ou até mesmo não apresentam sintomas, enquanto outras evoluem com sintomas graves que levam a morte?

Existe um mecanismo genético que explica essa diferença da gravidade da COVID-19? Essa foi a pergunta que pesquisadores de vários institutos de pesquisa ao redor do mundo fizeram.

No dia 11 de dezembro, o manuscrito do artigo científico “Genetic mechanisms of critical illness in Covid-19” – Mecanismo genético da doença grave na COVID-19, foi publicado antecipadamente na Nature, uma das revistas científicas mais relevantes do mundo (1).

No estudo, 2244 pacientes com sintomas graves da COVID-19 foram analisados por uma técnica de genética chamada GWAS (Genome-Wide Association Studies). O GWAS consiste em analisar o genoma de um grupo de pessoas saudáveis e comparar com o genoma de um grupo de pessoas com alguma doença, com o objetivo de encontrar uma alteração (ou mais) genética associada à doença. Ou seja, nesse estudo, os pesquisadores buscavam marcadores genéticos associados aos casos graves de COVID-19. O grupo controle (sem a doença), foi obtido do banco de dados genômico do Reino Unido.

Os pesquisadores fizeram uma série de análises de correlação e desconsideraram fatores que causariam viés, como pessoas do grupo controle que testaram positivo para COVID-19. As análises foram replicadas em dados de outros estudos populacionais.

 

Resultados do estudo

O estudo encontrou uma associação entre baixa expressão do gene IFNAR2 e alta expressão do gene TYK2 com os casos graves. Com isso, os resultados apontaram para, pelo menos, dois mecanismos biológicos para doença grave em COVID-19: sistema imune inato, importante para a resposta imune imediata no início da infecção; e lesão pulmonar inflamatória causada pelo hospedeiro, que é um mecanismo chave da COVID-19 tardia, com risco de vida. 

 

Gene IFNAR2 

O estudo demonstrou o que outros estudos já haviam observado: mutações (de perda de função) no IFNAR2 estão associadas a COVID-19 grave e a muitas outras doenças virais, como o Influenza.

O gene IFNAR2 codifica uma proteína que atua como receptor de interferons alfa e beta. Os interferons são proteínas sinalizadoras que são liberadas por algumas células do sistema imune para atuar no combate a infecções virais e de outros microorganismos e também estimulam a liberação de outras células de defesa. São essenciais para a resposta inicial (imunidade inata) do hospedeiro à infecção viral. Por isso, a baixa expressão de IFNAR2 pode deixar o organismo mais suscetível ao SARS-Cov-2.

O estudo traz evidência de que o IFNAR2 pode ter um papel protetor para COVID-19 grave e sugere a administração de interferon como tratamento para reduzir a probabilidade de sintomas graves. Contudo, o estudo não conseguiu observar o melhor momento para que esse tratamento possa ser eficaz.

 

Gene TYK2

O TYK2 codifica uma proteína que faz parte de uma importante família de proteínas chamadas Janus quinases (JAKs). As JAKs possuem um papel essencial no processo inflamatório e atuam na sinalização intracelular, além de também participarem da via de sinalização dos interferons. Em outras palavras, as JAKs são importantes para que as células entendam que há um processo inflamatório no organismo que precisa ser combatido. O excesso de atividade das JAKs está associado a várias doenças reumatológicas. Por isso, medicamentos anti-inflamatórios que reduzem a atividade dessa família de proteínas já existem e estão disponíveis. 

O artigo levanta o uso do Baricitinib, medicamento anti-inflamatório usado para tratar a artrite reumatóide, que inibe a proteína codificada pelo gene TYK2. Em um outro estudo publicado em 11 de dezembro no The New England Journal of Medicine, o Baricitinib demonstrou resultados promissores no tratamento de COVID-19 quando combinado com um medicamento antiviral chamado remdesivir (2).

Além do TYK2 e IFNAR2, o estudo também apontou para outros 3 genes: OAS, DPP9 e CCR2.

De modo geral, os resultados do estudo demonstraram importantes marcadores genéticos associados a forma grave da COVID-19 apontando os mecanismos por trás da doença. Ambos os mecanismos podem responder bem ao tratamento direcionado com medicamentos já existentes. Os autores, por fim, sugerem que ensaios clínicos sejam realizados antes de qualquer mudança na prática clínica.

 

Observações:

  • Em meados de  2020, estudos apontaram que o locus do grupo sanguíneo ABO estava associado a gravidade da COVID-19, contudo, nesse estudo atual, essa região genômica não foi significativa. Os autores sugerem que essa região pode estar associada à suscetibilidade a COVID-19, mas não a manifestação grave da doença. 
  • Esse é um estudo preliminar, publicado com urgência devido a pandemia de COVID-19. Os autores reforçam a necessidade de outros estudos para aprofundar os achados.

 


Referências

  1. Pairo-Castineira, E., Clohisey, S., Klaric, L. et al. Genetic mechanisms of critical illness in Covid-19. Nature (2020). https://doi.org/10.1038/s41586-020-03065-y
  2. Kalil AC, Patterson TF, Mehta AK, Tomashek KM, Wolfe CR, Ghazaryan V, Marconi VC, Ruiz-Palacios GM, Hsieh L, Kline S, Tapson V, Iovine NM, Jain MK, Sweeney DA, El Sahly HM, Branche AR, Regalado Pineda J, Lye DC, Sandkovsky U, Luetkemeyer AF, Cohen SH, Finberg RW, Jackson PEH, Taiwo B, Paules CI, Arguinchona H, Goepfert P, Ahuja N, Frank M, Oh MD, Kim ES, Tan SY, Mularski RA, Nielsen H, Ponce PO, Taylor BS, Larson L, Rouphael NG, Saklawi Y, Cantos VD, Ko ER, Engemann JJ, Amin AN, Watanabe M, Billings J, Elie MC, Davey RT, Burgess TH, Ferreira J, Green M, Makowski M, Cardoso A, de Bono S, Bonnett T, Proschan M, Deye GA, Dempsey W, Nayak SU, Dodd LE, Beigel JH; ACTT-2 Study Group Members. Baricitinib plus Remdesivir for Hospitalized Adults with Covid-19. N Engl J Med. 2020 Dec 11:NEJMoa2031994. doi: 10.1056/NEJMoa2031994. Epub ahead of print. PMID: 33306283; PMCID: PMC7745180.

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